O convidado do último episódio tem uma forte relação com o repertório do Carnaval. Thiago França conta que, na infância em Belo Horizonte, visitava os avós e escutava as marchinhas de Carnaval que o tio adorava. As marchinhas clássicas eram as músicas que deixavam o tio calmo e as tardes na casa dos avós fomentaram no músico o amor por esse repertório. Além disso, Thiago França é atleticano e frequentou intensamente o Estádio Mineirão. A Charanga do Galo está sempre presente nos jogos do Atlético Mineiro e toca muitas marchinhas de Carnaval. Desde pequeno ele frequenta o estádio e, aos poucos, foi estabelecendo relação com a Charanga, onde os instrumentos de metal têm grande destaque.
“Como estudante de música, a Charanga do Galo tinha um mistério: como ela contagiava tanto?”
Thiago França explica que as charangas têm um jeito de tocar que é para fora. Ele conta que, depois do Carnaval, sente a necessidade de voltar para os projetos individuais, às vezes até mais experimentais. Assentar um pouco, tamanha a energia que seu projeto A Espetacular Charanga do França demanda. De dezembro até março a preparação é toda para o bloco, e Thiago comenta que esse período, a cada ano, tem sido maior e mais intenso. Os exercícios físicos fazem parte da preparação, pois sem eles é difícil aguentar os ensaios, os dias de Carnaval e o pós.
Segundo o saxofonista, o Carnaval de rua é embate, não é uma questão apaziguada. Apesar de ser um evento previsto na Constituição Federal, ele traz conflitos. O Carnaval de rua de São Paulo foi proibido durante muitos anos. A censura foi feita na Ditadura Militar, por meio do AI-5, e ficou em vigor até a gestão do ex-prefeito Fernando Haddad. Em 2015, o primeiro ano em que A Espetacular Charanga do França foi às ruas, marca o ano em que o Carnaval começou a acontecer nas ruas da cidade. Entretanto, ele não está dentro da Lei Orçamentária, ou seja, não recebe nenhum dinheiro da Prefeitura. Ele depende, portanto, de patrocínios.

Vale dizer que o Carnaval que vai para a rua não está ligado à tradição das escolas de samba e dos desfiles oficiais, e sim com as pessoas que produziam os bailes e a gafieira.
Thiago França conta que nos anos anteriores, quando as comemorações carnavalescas de rua eram proibidas em São Paulo, os blocos precisavam pedir muitas autorizações, sempre dizendo que estavam organizando “eventos de rua”. Não era possível usar a palavra Carnaval. Além disso, ele ressalta o fato de que São Paulo não é uma cidade que favorece a convivência; trata-se de uma cidade feita para andar de carro, não existem calçadas grandes e muitas praças. Segundo o músico, muita gente não entende o que é a convivência no espaço público, diferentemente das cidades litorâneas. A praia convida os indivíduos a dividirem o mesmo espaço.
Os blocos grandes com carro elétrico, que dependem das largas avenidas, sempre sofrem alterações quando a gestão da Prefeitura muda. Às vezes uma pessoa na secretaria diz que não quer que o bloco passe por determinada rua. A Espetacular Charanga do França, embora tenha crescido muito nos útimos anos, não pretende tocar para milhões. França enfatiza que trata-se de um projeto artístico, com músicos e uma discografia própria. Não se trata só de ir para o espaço externo. Ao comentar sobre a energia própria da rua, França defende que a experiência é singular.
“Temos uma tecnologia acústica de ocupação do espaço público.”
A conversa também abordou alguns dos imprevistos que aconteceram desde o início do projeto. Na primeira edição, Thiago França e os demais organizadores acreditavam que o público não chegaria a 400 pessoas. Porém, extrapolou 2000 pessoas. No ano seguinte, decidiram fazer plaquinhas com as letras das marchinhas inéditas, mas a chuva destruiu o material. A rua pede abertura e flexibilidade para encarar tudo o que não foi previsto.
“A Charanga é um projeto comunitário. Dependo muito do apoio do Conceição Discos, do comércio do bairro e das pessoas que cantam junto, para o evento de fato acontecer.”
No final da conversa Thiago França fez questão de ressaltar que o Cranaval é um evento de todos e que o folião é um agente, não um cliente. Ele é fundamental para que toda a experiência aconteça da melhor forma possível, honrando a alegria que tanto procuramos no Carnaval.
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Quem é Thiago França: Saxofonista, compositor, arranjador e produtor. Integrante da banda Metá Metá, Thiago França também está à frente da festa Xepa Sounds e da Espetacular Charanga do França, um dos blocos independentes mais amados e cultuados da cidade de São Paulo. Além disso, costuma puxar debates importantes sobre a cena musical do país, ressaltando o valor dos artistas independentes, dos processos criativos e da mistura de gêneros musicais. Ele tem 30 discos lançados entre trabalhos solos e coletivos e já participou de quase uma centena de gravações com outros artistas como Romulo Fróes, Rodrigo Campos, Céu, Criolo, Tulipa Ruiz, Marcelo D2 e Jards Macalé, entre muitos outros. Desenvolveu um jeito próprio de tocar saxofone, unindo linguagens tradicionais, como o choro, e a improvisação livre.