O cinema de rua vai desaparecer?
Cinemas nas calçadas e a representação das cidades foi tema do Betoneira
O convidado do último episódio do Betoneira é o crítico e professor de cinema Inácio Araújo. A conversa começou a partir da notícia do fechamento do anexo do Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta, em São Paulo. Conforme foi noticiado, o espaço seria derrubado para dar lugar a um empreendimento imobiliário. Um abaixo-assinado com mais de 25 mil assinaturas pediu, então, que a Prefeitura protegesse o espaço. Inácio Araújo diz que o episódio é um lembrete de que precisamos de ruas. Mais do que cinemas de rua propriamente ditos, precisamos de ruas vivas, pulsantes, onde os cidadãos possam conviver e compartilhar experiências.
Vale dizer que após a gravação do episódio o Ministério público impediu a demolição da casa onde funciona o Espaço Itaú de Cinema.
Embora hoje em dia os cinemas estejam principalmente nos shoppings centers, Inácio explica que a experiência do cinema tem muita relação com a rua. O cinema faz parte da paisagem da cidade, se mostrando como um sintoma de convivência. Com a pandemia, a experiência de ir ao cinema ficou muito desvalorizada e, aos poucos, talvez, o hábito volte a fazer parte da vida das pessoas.
“Aprendi a ir ao cinema flanando pela cidade, vendo os cartazes ou as filas em frente às salas.”
Nos anos 80 e 90 diversos cinemas de rua no Brasil fecharam as portas. Muitos deles viraram supermercados, igrejas ou estacionamentos. Em São Paulo, o fechamento das salas têm a ver com a degradação da área central da cidade. Além disso, muitas delas vivaram “mamutes gigantescos”, com seus mais de mil lugares. A partir dos anos 50, com a televisão, houve uma diminuição do público, fenômeno que começou a deixar as salas de grandes dimensões vazias. A solução, em meados dos anos 80, foi a construção dos complexos, comportando até 15 salas. Nessa época, as salas ainda não eram dentro dos shoppings centers. O Cine Majestic, Cine Astor e o Cinesesc foram citados como exemplos por Inácio Araújo.
O crítico explica que, no Brasil, o shopping center vinga porque além de supostamente ser um lugar de segurança, é também um lugar de exclusão.
“Nos shoppings você exclui os pobres, os pretos. Há uma segragação.”
A conversa também tocou na questão econômica, uma vez que os cinemas, hoje, se tornaram uma experiência cara. Muita gente prefere o conforto do sofá e das opções dos streamings. Porém, assim como a televisão não matou o cinema, os streamings também não têm o poder de fazer o cinema desaparecer. A pandemia nos fez perder o hábito da rua e da vida urbana, mas, com apoio da Prefeitura aos cinemas de rua, talvez seja possível incentivar a população a retomar o hábito de assistir a um filme fora de suas casas. Entretanto, Inácio Araújo diz que a Prefeitura tem grandes compromissos com a construção civil, o que faz com os interesses sejam conflitantes, pois, muitas vezes, os prédios e a iniciativa privada têm prioridade. Iniciativas como o Cineclube Cortina, no centro de São Paulo, com bar, espaço para show, livraria, etc, podem ser uma boa alternativa para fazer o cinema de rua renascer, conquistando as novas gerações.
A partir da metade do episódio, Marcelo, André e Inácio falam sobre a representação das cidades nos filmes, a começar pelo clássico Metrópolis, de Fritz Lang. Inácio Araújo discorre brevemente sobre o contexto histórico em que o filme foi feito, o conflito de classes retratado nele e a contemporaneidade da obra.
Algumas cidades foram imortalizadas pelo cinema, como Paris e Nova Iorque. Nesses casos, há uma paixão pelo espaço retratado e pelo modo de funcionamento das engrenagens da cidade. Já um filme como São Paulo Sociedade Anônima, de Luis Sérgio Person, é, de certa forma, um documento da cidade, tornando-se memória. São Paulo é um personagem e, imortalizado pela câmera, dá o testemunho de um tempo. Obras que mostram o Rio de Janeiro e Recife também foram citadas na conversa.
“No Brasil, infelizmente, o cinema ainda não dá atenção para a vida das cidades do interior. Há muito para se narrar também.”
A conversa terminou com Inácio Araújo contando sobre algumas experiências suas de direção e roteiro no passado. Das improvisações que foram necessárias durante o processo criativo até cenas filmadas em diversos pontos da cidade. Inácio Araújo explica que está mais difícil filmar nas ruas, é preciso conseguir muitas autorizações e, dessa forma, o cinema perde cenas e eventos urbanos ao acaso que, nas décadas anteriores, podiam ser capturadas pela câmera.
O episódio 64 do Betoneira Podcast está no ar!
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Quem é Inácio Araújo: Crítico de cinema, cineasta, escritor e professor. Foi montador de 13 filmes de longa-metragem, roteirista de 6 filmes e autor do curta Uma Aula de Sanfona. Seu curso “Cinema Moderno e Contemporâneo” é um dos mais tradicionais do país, abarcando boa parte da história do cinema. Escreveu os romances Casa de Meninas, pelo qual ganhou o prêmio de autor revelação da Associação Paulista de Críticos de Arte, Uma Chance na Vida e Urgentes Preparativos para o Fim do Mundo. Também trabalhou no Jornal da Tarde e na Folha de São Paulo, onde ainda escreve sobre a arte do cinema.