Fotografando o tempo, uma conversa com Michael Wesely
Recebemos o fotógrafo alemão para um bate-papo sobre fotografia de longa exposição, cidades e tempo
“Abandonei a ideia de verdade na fotografia e descobri que a longa exposição danifica a imagem de um modo muito bonito.”
É possível fotografar o tempo através das transformações no espaço urbano? Acumular passado e presente em uma mesma imagem, convidando o espectador para uma investigação visual e arqueológica? No episódio 54 do Betoneira Podcast, convidamos o fotógrafo alemão Michael Wesely para falarmos sobre fotografia e cidades. Ele participou de diversas exposições internacionais, entre elas a 25ª Bienal de São Paulo. Pioneiro em fotografias de longa exposição, Michael desenvolveu uma técnica que permite expor um mesmo negativo por horas, dias ou mesmo anos. O resultado é a condensação de todo o tempo de exposição em uma única fotografia, gerando imagens poéticas de grande impacto visual.
Em nossa conversa, Michael conta que seu interesse pela fotografia de longa exposição começou cedo, assim que ele iniciou seus estudos. Na visão do artista, a fotografia está mais perto da invenção do que da verdade. Seu desejo não é fazer o registro fiel de algo que aconteceu na realidade, mas captar o movimento e a transformação causados pela ação do tempo. No começo de sua carreira Wesely logo abandonou a ideia de “momento decisivo” e começou sua pesquisa com a fotografia de longa exposição.
“Eu entendi que existe poesia na ausência das coisas, principalmente quando você pensa em filmes antigos dos anos 50 que lidavam muito com a sombra. As sombras faziam parte da narrativa.”
Nosso convidado também fala da sua relação de longa data com o Brasil. Um de seus projetos mais conhecidos foi o Câmera Aberta, na sede do IMS (Instituto Moreira Salles), em São Paulo (SP), em 2014. As câmeras digitais e analógicas construídas por Wesely registraram a obra do IMS Paulista por quase três anos e foram desinstaladas ao final da construção, em 2017. O artista explica o processo criativo para escolher os pontos nos quais as câmeras ficariam posicionadas. Segundo Wesely, é preciso trabalhar com aquilo que o entorno oferece, sempre levando em conta diferentes perspectivas.
“Os meus tripés são os prédios e procuro fazer o melhor com as possibilidades disponíveis em cada projeto.”
Michael Wesely constrói suas próprias câmeras e conta que durante algum tempo as pessoas pensaram que ele usava uma câmera pinhole (câmera rústica em geral feita com lata que deriva do inglês, “pin-hole”, ou seja, “buraco de alfinete”). Entretanto, a pinhole não capta todos os detalhes que ele procura, o que o levou a construir seus próprios equipamentos. As imagens criadas pelo artista trazem inúmeras informações que, para serem apreciadas, pedem um olhar demorado e investigativo por parte do espectador. Esse processo foi denominado por Wesely de “arqueologia visual.”
“E se você quiser se divertir e tiver algum tempo, então você pode olhar e encontrar tantas pequenas histórias nessas imagens. Minhas fotos são milhares de histórias virtuais armazenadas.”
Outro aspecto fundamental do seu trabalho é a falta de controle sobre a imagem final. Wesely conta que ele precisa estar disponível às imagens que aparecerão após os longos meses ou anos em que suas câmeras ficam abertas. Para se referir a essa falta de domínio, ele cita o icônico compositor americano John Cage, famoso por sua concepção musical que abraça o improviso e o impoderável.
O projeto Arquivo Brasília também aparece na conversa. O livro organizado por Michael Wesely e Lina Kim reúne 1400 imagens da capital antes de sua criação até 2010. Trata-se do maior levantamento iconográfico já feito sobre a cidade.
“Todo o projeto levou sete anos para ser concluído. Lina e eu começamos em 2003 e coletamos imagens de todos os lugares que você possa imaginar. Criamos um arquivo que existe apenas neste livro e está pronto para ser usado.”
A conversa terminou com uma reflexão do artista sobre memória e a função da fotografia no futuro das cidades. Para Wesely, é esperado que cada geração interrogue as imagens que foram feitas no passado, gerando novas reflexões e questionamentos.
O episódio 54 do Betoneira Podcast está no ar!
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Quem é Michael Wesely: Michael nasceu em Munique, onde estudou fotografia e graduou-se na Academia de Belas Artes da cidade. Entre seus trabalhos mais marcantes estão as imagens da reforma da Potsdamer Platz, em Berlim, em que capturou a transformação da praça durante dois anos. Ele fotografou também a ampliação do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, o MOMA, e a construção da sede do Instituto Moreira Salles, em São Paulo. Suas câmeras ficam fixas por anos, gerando imagens de grande impacto visual. Recentemente ele fez o registro da reforma da Neue Nationalgalerie, em Berlim, projetada por Mies van der Rohe. Durante os 5 anos em que a famosa galeria ficou fechada, as quatro câmeras posicionadas por ele tiravam entre 360 e 730 fotos por dia. Cada uma delas com 90 segundos de exposição. O resultado é um jogo visual singular entre movimento e imobilidade. Atualmente ele mora e trabalha em Berlim.
Este episódio conta com patrocínio cultural do Archtrends. Ouça o Archtrends Podcast no Spotify ou no Youtube.