As relações poéticas entre a arquitetura e a escultura
A artista visual Marcia Pastore fala sobre seu trabalho e sua visão das possibilidades dos espaços
Materiais de construção civil, roldanas, ganchos, redes de pesca, bronze, resina, madeira. São inúmeros os materiais usados pela artista Marcia Pastore. Ela os coloca em um jogo de forças poético e singular com o espaço, seja ele fechado ou a céu aberto.
A conversa com Marcia Pastore começou pela infância da artista, que conta que desde pequena sonhava em ser arquiteta. Pastore gostava de brincar e fazer alterações em cima de plantas recortadas dos jornais e revistas. Decidiu prestar faculdade de arquitetura e, como ela mesma diz, deparou-se com uma das grandes ironias da sua trajetória: não passou na prova de desenho. Entrou na faculdade de Artes Visuais para aprender a desenhar e prestar arquitetura novamente. Na segunda tentativa, deu certo. A artista cursou duas faculdades ao mesmo tempo durante alguns anos, na década de oitenta.
Gradativamente foi se interessando mais pela problematização de linguagem que as artes visuais permitiam, preferindo as artes plásticas aos cálculos de matemática e física da faculdade de arquiteura. Ainda no anos oitenta, junto com outros artistas de sua geração, Marcia Pastore frequentou o ateliê de Carlos Fajardo, na Rua Pamplona, em São Paulo. O convívio com outros artistas e as trocas foram fundamentais para a ampliação do olhar em relação à arte contemporânea.
“Esse foi um período de formação muito importante porque o Carlos Fajardo orientava a discussão para o fazer artístico. Comecei a refletir sobre minha prática e a construir meu vocabulário.”
Marcia Pastore comenta que seu trabalho está na interseção entre o desenho e a escultura, pois sua curiosidade sempre esteve relacionada às possibilidades espaciais, mesmo não tendo feito nenhum formação específica para aprender escultura. A fisicalidade dos materiais passou a ser uma chave de suas pesquisas e criações.
“Eu parto do comportamento dos materiais e das relações deles com o entorno; não são experiências de representação no sentido clássico do termo.”
Várias das obras de Marcia Pastore são pensadas para um lugar definido. O conceito de site-specific é bem presente na produção da artista. Ela comenta que sua aproximação com o lugar se dá por meio de muitas visitas e do estudo detalhado da planta. Uma curiosidade que chama a atenção é o fato dela não fazer projetos para suas obras; no máximo cria um projeto para ajudar os profissionais envolvidos na execução da obra ou para apresentar a ideia em um edital.
“Preciso entender quais os aspectos do lugar que entrarão no meu trabalho, ou seja, o que quero enfatizar no jogo de forças que desejo realizar com os materiais?”
Pastore também explica que nos últimos anos decidiu não levar novos materiais para os espaços em que trabalha. Ela maneja aquilo que encontra em cada lugar, citando como exemplo a obra que realizou na Fundação Marcos Amaro, formada por terra e capim, ou seja, os materiais que encontrou no terreno.
O corpo também foi tema da conversa, uma vez que a artista desenvolveu obras em que molda partes do seu próprio corpo. Após um período em que instalou esses moldes no espaço, Pastore passou a convocar também o corpo do espectador. Seus trabalhos frequentemente convidam o espectador a se abaixar, se esgueirar e mover o corpo. Na instalação Estrutura Exposta, na Casa Museu Ema Klabin, em São Paulo, a artista espelhou a estrutura hidráulica da casa no espaço externo, no jardim. Quem quisesse podia até tomar um banho.
A conversa terminou com Marcia Pastore contando como foi realizar sua exposição na Pinacoteca de São Paulo, no final de 2019. Foram três anos de trabalho com a curadora Ana Maria Belluzzo; uma chance única de olhar para sua própria trajetória, problematizando-a a encontrando novas ligações entre as obras.
“Revisitar o passado alimenta minha produção atual.”
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Quem é Marcia Pastore: Com mais de 30 anos de trajetória, sua produção explora os limites da escultura, em diálogo com a arquitetura e com as possibilidades dos materiais - sejam eles gesso, terra ou bronze. Movimento, tensão e deslocamento são questões levantadas por seus trabalhos, muitos deles pensados especificamente para determinados ambientes. A artista possui obras em importantes coleções privadas e públicas do país, como a Pinacoteca de São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da USP, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Fundação Marcos Amaro e Banco Safra.